sábado, 30 de abril de 2011

Impressões de "Arte Poética", de Aristóteles

A grécia era o seu próprio mundo, naqueles dias em que o Filósofo escreveu este aqui.

Eis um homem falando e documentando sua cultura.

No século de Aristóteles, o mar Egeu ficava exatamente no centro do mundo - ao menos para os gregos - e em "Arte Poética", o (suposto) professor dos professores resolveu sistematizar a arte das artes, ou melhor, as artes da arte. Se é notável, ao menos para mim, o seu desinteresse em falar de outras gentes, por outro lado penso que há que se desculpá-lo pois poucos gregos sabiam de qualquer coisa do mundo que se extendiam para além de seu Hellas natal. (Aliás, Aristóteles era, na verdade, nascido na macedônia - como seu aluno Alexandre Magno - região na parte norte, que embora se considerasse como parte da grécia, era vista por muitos gregos já como terra estrangeira) Mesmo se restringindo ao alcance do mundo helênico da época, o autor era um grande erudito para os padrões de seu tempo, e faz questão de mostrar isso no seu livro. O resultado final, ao menos para mim, foi um tanto decepcionante. O grande Aristóteles escreveu pouco mais que um manual de como se deve escrever, e como podemos (ou "devemos") diferenciar uma obra boa de uma ruim. Ficou devendo nas reflexões acerca da importância e significado da poesia, bem como na investigação distanciada do fenômeno como um todo. Não se aprofunda o suficiente para decifrar os "porquês" da poesia e se apóia em demasia em sua própria autoridade. É possível que isso tenha ficado perdido na ferrugem do tempo, das traduções e das distâncias, mas o filósofo pouco filosofou (ou será que estou analisando de modo pós-cartesiano uma obra pré-cartesiana? Não sei).

Depois eu descobri que o livro, aliás o papiro, era pra ser apenas um auxílio aos demais professores da academia de aristóteles. Era um tipo de plano de aula de um curso sobre teatro. Não era uma obra para ser lida. Era um roteiro geral para uma série de discursos acadêmicos orais. Isso explica muitas coisas...... Não se tratava realmente de um "livro de filosofia".

É interessante notar que a poesia, assim como a filosofia, naquela época, não se apoiava no papel. Ao contrário do que vemos hoje, ela não sobrevivia em livros. A poesia era memorizada e reproduzida, repetidamente, por artistas errantes. Apenas muito ocasionalmente ela era lida. Ela vivia na mente, e o poema não era potencialidade, e sim ação. Não era leitura, era escuta. Os épicos de Homero, por exemplo, foram transmitidos oralmente por pelo menos 400 anos antes que recebessem alguma versão escrita. (aliás, a palavra grega para poesia significa literalmente "fazer" ou "fazendo" ou "coisa feita", ou seja, está totalmente imerso no universo da ação) Num mundo sem televisão e sem livros, a cultura se apoiava em uma arte que, para nós, nos parece mais com o nosso teatro, mas era mais que isso. Era o verdadeiro e maior ponto de encontro dos valores morais, com o drama com a música, com a literatura, com o misticismo, com a dança, a expressão corporal, com o estado, com o representação, com a filosofia, com a religião e com a política. O encontro da grécia com si mesma. Não é a toa que tanto Aristóteles como Platão, como muitos outros pensadores de sua época tanto se dedicaram a tentar entender e sistematizar esta Arte poética.

Em benefício do velho autor, reconheço que li o livro talvez um pouco mais rápido do que devesse. Sua leitura exige pesquisas paralelas que não foram realizadas. O etnocentrismo do autor significa que ele parte do princípio que seu leitor é também grego, e conhece muito bem as diferentes modalidades artísticas de seu tempo. Desse modo explicações necessárias simplesmente não são dadas. Como poderia ele imaginar que mais de 2000 anos depois, estaríamos aqui, nesta terra distante e estranha, lendo-o? Não tive outro jeito senão me apoiar no que sabia sobre as tais tragédias, epopéias, comédias e outros "greguismos" que fazem parte de nossa vida. Fui lendo todas as notas de rodapé, e tentando tirar sentido do texto. Não é uma leitura quasi-impossível, mas algumas idéias se perdem no caminho. De todo modo, a leitura permitiu um vislumbre. Fiz uma visita ao passado com direito a reviver em mim a vontade de visitar a grécia. Eu digo, visitar em realidade, de corpo presente, não apenas essa visita imaginária que a arte literária nos proporciona.


Mas vamos ao conteúdo.
Aristóteles dá prosseguimento às reflexões de Platão sobre as artes que aparecem muito no "A República" (que eu ainda preciso ler de verdade). Platão enxergava no fazer artístico o que chamava "imitação". A arte para eles é feita de imitações da realidade, dos homens, da vida, das cores, das formas. Imitação não bem no sentido que a palavra tem para nós hoje, mas talvez num sentido mais amplo que a palavra pode nos dar. Imitar como reproduzir, reaproveitar, reciclar, repetir, combinar, assemelhar, continuar, se enculturar, se influenciar, se impregnar, mas também, iludir, enganar, ludibriar, conduzir. A arte não é originalidade. Num universo cíclico como o dos gregos, ela é um jeito de se fazer passar para se passar a fazer, e por ser cíclica, é a perenidade das idéias, dos pensamentos e dos sentimentos. O renascimento circular, geração após geração, da cultura, num mundo sem conhecimento ou registros do passado. É a estratégia de luta de nossa civilização contra a impermanência humana. Nossa defesa contra o eterno perigo de voltarmos à estaca zero. Isso tudo é a arte.

Pena que aristóteles não nos é tão claro assim em seu livro. Para os gregos, seu texto e seus discursos deviam ser divertidos e até fáceis de entender. Para nós tudo se envolve em camadas de traduções imprecisas, costumes desconhecidos, lugares que não mais existem, espaços vazios, alçapões. O tempo é cruel com os textos também.


O filósofo organizou seu papiro-apostila-plano-de-aula-curso-texto-livro começando pelos conceitos que achava mais importante. Seu objetivo era formar bons autores de arte-poética, entendido por nós como "teatro grego". Para nós esta obra tem outra função. Este livro é uma janela para uma época importantíssima da humanidade.



CONTINUA

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