sábado, 30 de julho de 2011

O Povo Brasileiro - Parte 1


Sigo minha leitura.

Após um início rápido e promissor, minha antes ávida leitura do livro de Darcy Ribeiro acabou entrando numa fase mais burocrática e preguiçosa. Não que seja difícil a leitura, mas as distrações diárias têm me atrasado mais do que eu desejava.

Fosse este um livro menos extenso, sinto que eu teria feito um esforço extra para terminá-lo logo, mas sendo um volume de mais de 450 densas páginas, passado o impeto inicial, ainda não vislumbro seu encerramento, e sua leitura começa a me parecer interminável, como se eu estivesse a baldear algum mar.

A parte lida até agora, porém, já merece um primeiro post. Venci a primeira seção, de um total de cinco, chamado "o novo mundo". Darcy começou seu livro olhando para o cenário histórico que deu origem ao nosso povo-nação. Sua visão é historiográfica, mas em momento algum ele perde de vista o tempo presente. Cada fato passado é visto em perspectiva com os seus resultados na atualidade e sua tese é simples. O povo brasileiro é novo, único e condicionado às suas particularidades geográficas e humanas, sobretudo pelo encontro das três grandes etinias constituintes: O índio, o europeu (principalmente ibérico) e o negro.

Diz o nosso sorridente antropólogo:

"No Brasil, de índios e negros, a obra colonial de Portugal foi também radical. Seu produto verdadeiro não foram os ouros afanosamente buscados e achados, nem as mercadorias produzidas e exportadas. Nem mesmo o que tantas riquezas permitiriam erguer no Velho Mundo. Seu produto real foi um povo-nação, aqui plasmado principalmente pela mestiçagem, que se multiplica prodigiosamente como uma morena humanidade em flor, à espera de seu destino. Claro destino, singelo, de simplesmente ser entre os povos, e de existir para si mesmos." página 68

(...)

"Atuando com a ética do aventureiro, que improvisa a cada momento diante do desafio que tem de enfrentar, os iberos não produziram o que quiseram, mas o que resultou de sua ação, muitas vezes desenfreada. É certo que a colonização do Brasil se fez com esforço persistente, teimoso, de implantar aqui uma europeidade adaptada nesses trópicos e encarnada nessas mestiçagens. Mas esbarrou, sempre, com a resistência birrenta da natureza e com os caprichos da história, que nos fez a nós mesmos, apesar daqueles desígnios, tal qual somos, tão opostos a branquitudes e civilidades, tão interiorizadamente deseuropeus como desíndios e desafros." página 70



Darcy nos descobre como o feliz fracasso de um projeto de colonização e dominação mal planejado e executado. O produto de uma mutua destruição e transfiguração de exploradores e explorados que deu à luz esse novo rebento chamado Brasil. O entendimento do processo gerativo passa pelo entendimento de suas motivações originais. Darcy constata que grandes civilizações não surgem por acaso, sendo resultados sim de um tipo de ímpeto coletivo difuso que pode desencadear grandes expansionismos que mudam os mapas e fazem a alegria dos livros de história. É preciso compreender esse ímpeto ibérico que o fez atravessar um oceano para dar nessas cercanias tropicais e me parece que o autor foi feliz em sua análise. Constatou ele a empolgação militar-religiosa pela vitória dos cristãos sobre os mouros e judeus na península ibérica no século XV como o contexto primordial que deu aos portugueses a motivação que precisavam para se achegar em tão distantes pradarias. Motivação essa que batiza ele de imperialismo "mercantil salvacionista".

"Aqui nenhuma terra se desperdiça com o povo que se ia gerando. De toda ela se apropria a classe dominante, menos para uso, porque é demasiado demais, mas a fim de obrigar os gentios subjugados a trabalhar em terra alheia. Nenhuma liberdade se consente, também, porque se trata com hereges a catequizar, livrando-os da perdição eterna."

"Nada mais natural do que pensar assim para um ibero que acabava de expulsar os hereges sarracenos e judeus, que os haviam dominados por séculos. Ainda com o fervor das cruzadas gloriosas com os mouros, eles se assanharam, aqui, contra o gentio americano." (página 70 e 71)


Nosso autor discorre sobre como essa empolgação coletiva levou os portugueses (homens) a atravessar incontáveis, léguas marítimas, se arriscando ao escorbuto e às tempestades, para o encontro de selvagens que lhes ofereciam as filhas em casamentos. O recorrente assunto do encontro sexual entre europeus lusitanos e nativos é bem estudado e comentado por vários autores. Darcy dá sua contribuição apaixonada, em belo português.

O povo brasileiro - O filme

Por fim, não poderia deixar de disponibilizar o longo documentário "O povo Brasileiro" feito com base no livro, e incluindo belíssimos depoimentos de Darcy. Vale a pena.

Nenhum comentário:

Postar um comentário