domingo, 15 de julho de 2012

Para que cada coisa tenha nome

Não lembro quem foi o pensador que disse que "só enxergamos aquilo que podemos dar nome". É uma bela frase e, embora possa parecer um tanto exagerada, receio que sou levado a concordar com ela. Ao menos dentro daquilo que entendo ser "enxergar". Os olhos são apenas intermediários, um par de mensageiros, pois é a nossa mente que realmente enxerga as coisas.


Permita-me explicar melhor. Peguemos uma imagem como esta acima. Se trata de uma foto de vegetação do cerrado e seria para mim nada mais que "mato" dividido, no máximo, entre galhos e folhas, mas para um biólogo ou quem sabe para um índio nativo da região de onde a foto foi tirada, é uma composição com espécies de plantas e animais, localizados no espaço e no tempo (verão, inverno), comida, remédio, esconderijo,  cheiros, perfumes, flores, parasitas, pragas, estames, talos, florescências. Cada coisa se abre na mente acionada por uma chave que é só sua. O seu nome. São estas palavras que indexam cada ideia e as tornam acessíveis. Enquanto eu - em minha ignorância - enxergaria apenas uma coisa - mato - aqueles que detém estas chaves podem ver inúmeros detalhes. E afirmo que se eu não possuísse a palavra "pássaro" em meu vocabulário, não seria capaz de enxergar o pássaro que está ali, discretamente presente nessa foto. Você consegue vê-lo? Se consegue é apenas porque você construiu o conceito de "pássaro" em sua mente.

Indo mais longe, qualquer coisa com penas que voa é para mim "pássaro" até que eu possa dizer precisamente que pássaro é esse, e meu olhar passa a ver para além da velha generalização. Assim poderei enxergar realmente o formato de seu bico, as cores de sua penagem, ou até mesmo, o tipo de galho da árvore em que aquele pássaro prefere pousar. A cada coisa darei um nome, não apenas pelo desejo de vocabulário, mas para expandir a visão.

O Ver e o Entender são duas coisas que crescem juntos.

Essa reflexão me remete ao famoso senhor da imagem abaixo. Enquanto sigo na minha busca em determinar o nome exato da espécie de Bauhinia que cresce na minha janela (são, até onde eu sei, bem mais que 150 espécies), bem como o nome de todas as espécies de pássaros que a frequentam, sem falar no nome de cada líquen que cresce em seu tronco, e quem sabe um dia, o nome de cada inseto que visita suas flores, penso em Carl Linnaeus (1707 - 1778) e o sorriso com que sorri em seu quadro.


É um sorriso agradável de um homem feliz pois foi alguém que, sem dúvida, enxergava muitíssimo bem. O sorriso de um homem que está me dizendo "tudo que você está fazendo agora eu já fiz há quase trezentos anos atrás". Sinto até uma espécie de condescendência intelectual emanando dele como quem tem certeza que está certo ao ponto de não sentir mais a urgência em se provar mas um prazer em passar sua sabedoria adiante. Linnaeus é lembrado até hoje como o cientista que inventou o sistema de nomenclatura de espécies em uso até hoje. Não é pouca coisa. Naturalmente houveram modernizações, mas a essência do modelo pode ser atribuído ao seu trabalho pioneiro que, entre outras coisas, estabeleceu a nomenclatura binomial para as espécies (gênero, espécie) e audaciosamente incluiu o próprio ser humano como parte do reino animal..


É lembrando dele que comemoro a entrada de mais uma espécie de pássaro em minha mente. A foto acima é uma das muitas que tirei de pássaros pousados em minha árvore. A maioria deles ainda me são apenas "pássaro", mas hoje este visitante recebeu seu rótulo. Ao que tudo indica se trata de um sabiá-do-campo, de nome científico mimus saturninus, e este indivíduo em particular é um assíduo frequentador de minha árvore favorita, vindo, ao menos, todo fim de tarde pousar nestes mesmos galhos (notei que raramente pousa em outra parte da árvore que não essa). Pelo que li sobre sua espécie, é conhecido como um habilidoso imitador do canto de outros pássaros, e até de sons de insetos, sendo dono de repertórios gigantescos de diferentes cantos (aqui tem um exemplo gravado com mais de 10 minutos de cantos variados, sem repetições, produzidos por um único - criativo - individuo). Embora seja um pássaro com considerável alterações de aparência entre as suas sub-espécies, consegui reconhê-lo pela faixa escura nos olhos que parecem se fundir ao seu bico, e, em especial, por um comportamento bem particular : sempre que pousa em algum galho ele apresenta o movimento de levantar a cauda.


Mimus saturninus.
Obrigado, Linnaeus!


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